HABEAS CORPUS

         Remédio destinado a tutelar, de maneira rápida e imediata, a liberdade de locomoção do cidadão. É uma garantia constitucional do cidadão para amparar o seu direito à liberdade de ir e vir, consubstanciado no art. 5º, inciso LXVIII, da CF/88.

         A doutrina considera como ação, mas no CPP o habeas corpus é tratado como recurso. Hoje, é quase unânime o reconhecimento de que não se tem o habeas corpus natureza recursal.

         Pode ser impetrado contra decisões judiciais transitadas em julgado ou não, contra atos de autoridade que não sejam as judiciais e até contra atos de particulares. Ex: proferindo, o juiz, sentença condenatória e o processo for nulo, ainda que o réu tenha apelado poderá impetrar habeas corpus com fundamento no art. 648, VI do CPP, não sendo pois considerado recurso.

         Mas, se concorrer uma causa extintiva de punibilidade ainda que a sentença tenha transitado em julgado caberá habeas corpus com fundamento no art. 648, III do CPP, não se considerando recurso porque a sentença não transitou em julgado. Mas, se em vez de nulidade, já houvesse ocorrido uma causa extintiva de punibilidade, ainda que transitada em julgado a decisão condenatória, cabível o habeas corpus, com fundamento no art. 648, VII do CPP. E, pelas mesmas razões não poderia ser considerado recurso, que pressupõe uma decisão transitada em julgado.

Contudo, poderá ser reconhecido como recurso quando o juiz receber uma denúncia sem suporte fático, não havendo justa causa para a instauração do processo o réu poderá impetrar habeas corpus, com fundamento no art. 648, I do CPP.

NATUREZA JURÍDICA

         Como qualquer pessoa tem legitimidade para impetrá-lo, cuida-se de verdadeira ação popular. Já a sentença concessiva da ordem pode ter natureza cautelar, constitutiva ou declaratória. Ex: se o habeas hábeas for preventivo a sentença será cautelar. Se por um habeas corpus a sentença condenatória for anulada, a decisão do habeas corpus terá natureza constitutiva. Já se em razão do habeas corpus decreta a extinção da punibilidade, o caráter será declaratório.

Em sendo uma verdadeira ação, sujeita-se às mesmas condições da ação como:

- Possibilidade jurídica do pedido;

- Interesse de agir;

- Legitimidade “ad causam”.

         O juiz não pode impetrar habeas corpus, salvo se for paciente. Mas pode concede-lo de ofício se achar que alguém está na iminência de sofrer coação ilegal, conforme art. 654, par. 2º do CPP, mas é obrigado a recorrer de ofício, nos termos do art. 574, I.

         De acordo com RITJSP, a pessoa jurídica pode impetrar habeas corpus em favor de pessoa física, também pode o representante do Ministério Publico. Em suma, o habeas corpus pode ser impetrado em favor de outrem.

         Se o juiz denegar a ordem de habeas corpus, de sua decisão caberá recurso em sentido estrito, com base no art. 581, X do CPP.

         O órgão competente para a concessão do habeas corpus se divide em dois: se for da competência originaria será o próprio órgão, caso contrário será analisado por um órgão superior de 2º grau.

COMPETENCIA DOS ÓRGÂOS

Competência do STF – se o paciente for uma das pessoas elencadas nas letras b e c do inciso I do art. 102 da CF; quando o coator for qualquer das pessoas mencionadas na alínea a do inciso I do art. 105 da CF; quando o coator for tribunal sujeita à sua jurisdição (TJ, TA, TJM, TRF); quando o coator for ministro de estado ou comandante da marinha, exercito e aeronáutica, ressalvada a competência da justiça eleitoral.

Competência do TRF – quando a autoridade coatora for juiz federal (art. 108, I, d, da CF).

Competência do juiz federal – quando se tratar de matéria criminal de sua competência ou quando o constrangimento provier de autoridade cujos atos não estejam diretamente sujeitos a outra jurisdição (art. 109, VII, da CF).

Competência do Tribunal de Justiça de SP – julgará o habeas corpus cujos recursos forem de sua competência, ou quando o coator ou paciente for autoridade sujeita à sua jurisdição, ressalvada a competência da justiça militar nos processo de sua competência.

Competência do Tribunal de Alçada – conhecerá do pedido de habeas corpus quando o constrangimento partir de juízes da inferior instancia e se relacionar com processos de sua competência recursal.

Competência do Tribunal Militar Estadual – julgará o habeas corpus se a coação partir de autoridade militar e o processo for da competência da justiça militar estadual. Não havendo este tribunal a competência sera do Tribunal de Justiça.

Competência da Seção Civil do TJSP – no estado de São Paulo, quando o habeas corpus tratar de constrangimento relativo a prisão civil (alimentante inadimplente e falido) a competência é da seção civil do TJ. Se for prisão civil de depositário infiel a competência é do Tribunal de Alçada Civil.

Nos demais casos a competência é dos juizes de direito da primeira instancia.

PRAZO PARA RECURSO

         O prazo para interpor recurso perante o STF, em habeas corpus ou mandado de segurança, é de 5 dias (súmula 319 do STF). E para o STJ é o mesmo prazo (art. 30 da Lei 8038/90).

         Se o inquérito policial é instaurado por requisição do juiz, a autoridade coatora é o delegado de polícia (corrente minoritária); é o próprio requisitante, ou seja, o juiz (corrente majoritária).

         Se a autoridade coatora for juiz do trabalho, a competência para analisar o habeas corpus é do TRF, uma vez que a justiça do trabalho não tem competência par apreciar matéria penal. O mesmo para juiz estadual exercendo as funções de juiz do trabalho.

Competência recursal – quando um juiz de 1ª instância denega ordem de habeas corpus, o interessado poderá:

- Interpor recurso em sentido estrito com fundamento no art. 581, X, desde que tenha legitimidade;

- Impetrar outra ordem perante o tribunal competente.

Competência do TACrimSP em julgar habeas corpus e recursos:

- Nos crimes contra o patrimônio, desde que não tenha ocorrido o evento morte;

- Nas contravenções;

- Nos crimes apenados com detenção, com exceção dos atinentes a tóxicos ou entorpecentes, falimentares, responsabilidade de vereadores e os de competência do júri. Nos demais casos a competência é do tribunal de Justiça.

Quando um tribunal denegar a ordem de habeas corpus, seja por imposição de recurso ou impetrada diretamente a um desses tribunais, caberá recurso para o STJ com base no art. 105, II, a, da CF.

Se impetrar a ordem diretamente a um tribunal superior e a ordem for denegada, também caberá recurso para o STF (art. 102, II, a, da CF), dentro de 5 dias. Se o STJ denegar provimento ao recurso cabe habeas corpus ao STF.

Não cabe recurso ao Tribunal Militar ou Superior Tribunal Militar porque os órgãos inferiores da justiça militar não têm competência para conhecer dos pedidos de habeas corpus, que devem ser dirigidos aos tribunais militares.

Competência da Justiça Eleitoral

Quando a competência for da justiça eleitoral e o juiz denegar a ordem, o interessado poderá impetrar outro habeas corpus para o TER ou recorrer a esse mesmo tribunal. Mas, se o TER denegar a ordem ou negar provimento ao recurso, deverá o interessado recorrer ao STE, dentro de 3 dias (art. 276, II, b, do Código Eleitoral).

         Se o STE também negar provimento, não caberá mais recurso, porque suas decisões são irrecorríveis, mas restará um recurso: a impetração de habeas corpus de habeas corpus ao STF com base no art. 102, I, i, da CF.

Se o Tribunal de Justiça ou outro tribunal (exceto o TER) denegar o recurso ordinário-constitucional e o Presidente do Tribunal dele não tomar conhecimento, ou ainda que tome conhecimento não lhe dê seguimento, cabe agravo de instrumento em 10 dias, assim, para denegação de qualquer recurso que deverá ser encaminhado ao STF ou STJ.

Em se tratando de denegação de RExt ou Resp, o prazo para interposição do agravo de instrumento é de 5 dias. Tourinho (pg. 600 - Prática de Processo Penal) entende que para denegação de Rext, aplica-se a regra do art. 522 do CPC que estabelece prazo de 10 dias. O agravo de instrumento, disciplinado nos art. 522 a 529 do CPC, estabelece prazo de 10 dias e a petição deve conter:

- Exposição do fato e do direito;

- As razões do pedido e a reforma da decisão;

- Nome e endereço completo dos advogados do processo.

Deve acompanhar cópias da decisão agravada, certidão da intimação e das procurações dos advogados do agravante e do agravado e demais peças úteis, além das exigidas por lei.

Recebido o agravo de instrumento o relator poderá:

- Requisitar informações ao tribunal a quo, dentro de 10 dias;

- Atribuir efeito suspensivo ao recurso (558 do CPC);

- Intimará o agravado através de seu advogado (ou ministério Público) para que responda em 10 dias.

         O agravo de instrumento é para combater decisão que não recebe Rext ou Resp, e o procedimento previsto é do art. 544, par. 1º do CPC.

CASOS DE HABEAS CORPUS – QUANDO CABE

- Quando o juiz ao receber a denuncia ou queixa e o fato descrito não constitui crime;

- Ainda que o fato descrito constitua crime, mas o Inquérito Policial ou peças de informação que instrua a denuncia ou queixa não tenham elemento seguro de convicção em relação a ação por falta de justa causa;

- Prisão ilegal após ter passado o prazo de cumprimento da pena;

- Prisão preventiva sem fundamentação;

- Quando a sentença transitou em julgado e o processo for manifestamente nulo;

- Quando o juiz, no sursis, impuser condição que caracterize constrangimento ilegal;

- Quando o auto de flagrante não atenda as exigências legais.

No pedido de habeas corpus deve conter:

O nome do paciente e da autoridade coatora, e a espécie de constrangimento, caso contrário será indeferido liminarmente pelo presidente do Tribunal. Deve ser feito em 2 vias, dirigido ao Presidente do Tribunal e assinatura do impetrante ou de alguém a seu rogo quando não puder ou não souber escrever e endereço das residenciais. Se for urgente pode ser impetrado por telegrama. Para interpor recurso exige-se a capacidade postulatória, portanto, deve ser impetrado por advogado habilitado.

REITERAÇÃO DO PEDIDO DE HABEAS CORPUS

O pedido de habeas corpus pode ser reiterado tanto no juízo de 1º grau, 2º grau ou STF e STJ, pela pessoa que o impetrou ou por outra, desde que formule com novos argumentos ou novos documentos. Sobre esse tema há três orientações:

- Uma admite a reiteração ainda que seja com os mesmos documentos, vem que a ordem não tem execução mandamental e não faz coisa julgada;

- A outra admite novo pedido, mas este só deve ser reconhecido apenas em relação aos novos argumentos ou novas provas;

- E a terceira admite o conhecimento de pedido que foi anteriormente denegado, pois o órgão julgador anterior se tornará autoridade coatora.   

         Impetrada uma ordem de habeas corpus, o interessado pode substituir por outro, desde que desista do primeiro e apresente nova ordem.

         Se o tribunal concede o habeas corpus, caberá Rext ou Resp, conforme a hipótese. Se estiver em relação com o art. 102, III, a,b ou c, da CF será Rext; se se enquadrar no art. 105, III, a,b ou c, da CF, será Resp.

         Nas transgressões disciplinares cabe habeas corpus, havendo constrangimento ilegal, caberá, salvo se se tratar de punições disciplinares militares, por força do par. 2º do art. 142, da CF.

         Se o presidente do tribunal indeferir liminarmente a ordem de habeas corpus, se for no TJSP, o presidente levará o pedido à Câmara para que delibere a respeito, mantendo ou não seu despacho. Se for no TACrimSP, no STF e STJ, a parte poderá interpor agravo regimental em 5 dias. O prolator poderá se retratar ou submeter o despacho à apreciação do órgão competente para julgamento. Há entendimento, que denegado ou indeferido liminarmente o habeas corpus, cabe recurso ordinário-constitucional.

         Quanto ao cabimento de habeas corpus contra ato de particular, há entendimento nos dois sentidos: a jurisprudência ora é favorável, ora é contrária. O art. 5, LXVIII da CF não fala em autoridade. Alega-se, que se o particular comete constrangimento ilegal a polícia deve intervir, caso contrário, caberá habeas corpus.

HABEAS CORPUS PREVENTIVO

Ocorre quando o paciente está sofrendo o constrangimento na sua liberdade de locomoção. E a violência é a vis absoluta, caracterizada por constrangimento físico, efetivo ou iminente. A coação é o constrangimento por meios físicos a um fazer ou não fazer. No art. 648 do CPP o legislador entendeu, ao tratar da coação, que também está incluída a violência, em qualquer caso caberá habeas corpus, pois o constrangimento será ilegal. O habeas corpus liberatório, portanto, ocorre quando há uma ameaça ilegal ao direito de liberdade de locomoção.

Ocorre constrangimento ilegal:

- Quando não houver justa causa, ou seja, o ato de que queixa o cidadão não tem sanção ou não satisfaz os seus requisitos;

- Quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei. Assim, se condenado a três anos e passar um dia do prazo, cabe habeas corpus, pois evidente o constrangimento. Dúvida surge na prisão provisória, havendo entendimento de que os prazos devem ser somados para saber se houve ou não excesso. Ex: no rito ordinário (juiz singular) entre a prisão e a sentença o prazo é de 81 dias, ultrapassado caracteriza constrangimento ilegal passível de habeas corpus.

Inquérito policial                10 dias (art. 46);

Defesa prévia                   5 dias (art. 395);

Inquirição de testemunhas   20 dias (art. 401);

Requerimento de diligências 2 dias (art. 499);

Despacho do requerimento  10 dias (art. 499 c/c 800, par. 3º);

Alegações                        6 dias (art. 500);

Diligências ex officio           5 dias (art. 502);

Sentença                         20 dias (art. 502 c/c 800, par. 3º).

SOMA = 81 dias

Os tribunais paulistas têm relaxado a prisão quando:

- Há excesso de prazo na conclusão ou remessa do inquérito policial de réu preso a juízo;

- Decreta a prisão preventiva, o inquérito policial volta à policia para diligencias;

- Há excesso de prazo para o oferecimento da denúncia.

         Na lei antitóxico (Lei 6.368/76) o prazo é de 76 dias. No STF o entendimento dominante é que os prazos contam separadamente e não se considera constrangimento ilegal se tenha excedido o total de prazos.

Há constrangimento ilegal:

- Quando quem ordenou a coação não tiver qualidade para fazê-lo, assim a polícia só pode prender em flagrante delito;

- Quando houver cessado o motivo que autorizou a coação, assim quando o réu já cumpriu sua pena e continua preso;

- Quando não se permite a prestação de fiança quando permitido por lei;

- ando o processo for manifestamente nulo, quando faltar algum pressuposto de existência da relação processual ou de processo válido, ou falta condições de procedibilidade. Concedido o habeas corpus por nulidade de processo, os atos processuais contaminados serão renovados;

- Quando extinta a punibilidade.

FINALIDADE DO HABEAS CORPUS

         Consiste em fazer cessar o constrangimento ilegal ou ameaça de ilegal constrangimento. Se for liberatório, o paciente será posto em liberdade; se preventivo, visa impedir que o constrangimento ilegal se efetive, expedindo-se, para tanto, um salvo-conduto, assinado pela autoridade competente, não podendo o paciente, por esse fato, vir a ser preso ou sofrer ameaça de sê-lo.

         Concedida a ordem e havendo má-fé ou abuso de poder da autoridade que determinou a coação, será condenada a pagar as custas respectivas, e serão extraídas certidões das peças necessárias do habeas corpus, ou dos autos principais, se for o caso, e enviadas ao Ministério Público para as providencias necessárias.

         Se o juiz ou tribunal entender necessário poderá pedir informações a autoridade coatora sobre o constrangimento ilegal ou ameaça de constrangimento ilegal. Recebidas, será o habeas corpus apreciado em 24 horas.

INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

         Não funciona o órgão do MP na 1ª instância, nos pedidos de habeas corpus, mas como fiscal da lei deverá ser ouvido. Contudo o art. 581, X do CPP, permite recurso das decisões concessivas ou denegatórias de habeas corpus, não vedando a via recursal ao MP. Nos tribunais, após as informações o MP é ouvido, salvo se o relator entender desnecessária as informações ou estas não forem prestadas.

Concedida a ordem de habeas corpus, é expedido ofício assinado pela autoridade competente e encaminhado à autoridade coatora, também pode ser dirigido ao detentor ou até mesmo ao carcereiro quando se tratar de paciente preso, podendo ser enviado por telegrama. Se for habeas corpus liberatório deve ser expedido alvará de soltura, salvo se o paciente tiver de continuar preso por outros motivos (soltura clausulado).

         Aquele que obstar a soltura ou demorar em fornecer as causas da prisão será multado, sem prejuízo do processo criminal por desobediência, imposta por juiz ou tribunal que julgar o habeas corpus.

QUANDO NÃO CABE HABEAS CORPUS

- Prisão administrativa daquele que é responsável por valores ou dinheiro pertencente à fazenda Pública, salvo se o pedido se fizer acompanhar de prova de quitação ou de depósito do alcance verificado, se a prisão exceder o prazo legal. Contudo, pelo art. 5º, LXI da CF, já não mais existe prisão administrativa, pois só poderá ser preso em flagrante, caso contrário ninguém mais é passível de prisão, a não ser que seja por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária.

LIMINAR EM HABEAS CORPUS

         Cabe se houver o periculum im mora e o fumus boni juris. Ainda que a lei não se refira à concessão de liminar no habeas corpus, alguns acórdãos entendem que cabe e já está se tornando comum na prática jurídica.

 

Valdirene Laginski

Advogada do escritório Pacheco Neto Sanden e Teisseire Advogados, com atuação nas áreas cível e trabalhista.

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