JURISDIÇÃO

CONCEITO

Jurisdição é o instrumento por meio do qual os órgãos jurisdicionais imparcialmente eliminam conflitos e fazem cumprir o preceito jurídico pertinente a cada caso que lhes é apresentado em busca de solução. É o poder de dizer o direito e constranger o inconformado a submeter-se à vontade da lei.

O Estado substitui as partes porque estas impedidas estão de exercer seus direitos pelas próprias mãos. Através de seu poder decide imperativamente e impõe decisões e tem como função pacificar conflitos mediante a realização do direito justo e sempre mediante um processo. A atividade jurisdicional é realizada mediante atos imparciais do juiz no processo, exercendo o poder e cumprindo a função que a lei lhe dá, representando o Estado. A jurisdição, não se limita a resolver conflitos, ela tem também uma função coercitiva, evitando assim que novos conflitos ocorram.

A jurisdição só pode existir num Estado soberano, limitada no território do seu exercício, visto que só a soberania pode garantir a sua força impositiva e coercitiva. Ela atua por meio de juízes de direito e tribunais investidos regularmente de tal poder e através do devido processo legal, regido pelos princípios garantidores da justiça justa. A partir do momento em que uma lide é levada à justiça, as partes perdem o direito sobre ela e o Estado assume a obrigação de solucioná-la através do processo.

É una e indivisível, o que existe são vários órgãos da justiça que podem emitir parecer sobre um conflito de interesses. O objetivo primeiro é de fazer atuar o direito no caso concreto, fazer com que os objetivos da norma material se concretizem na prática. Visa, portanto, a pacificação e a estabilidade das relações sociais.

Para exercer a jurisdição é necessária a existência de um conflito de interesses, pois a jurisdição é inerte e só atua mediante provocação. O Estado não pode tomar iniciativa de resolver conflitos, pois, nesse caso, o juiz perderia a imparcialidade no julgamento, princípio que deverá ser respeitado para se agir com justiça. Tanto na área cível como criminal, deve o juiz esperar que a parte lesada entre com a ação competente.

A decisão dos conflitos, após trânsito em julgado, torna-se imutável, chamada de coisa julgada. Esta decisão se torna definitiva quando se esgotam os recursos possíveis e quando se perde prazo para recorrer da sentença injusta. No processo criminal, absolvido o réu, mesmo que apareçam novas provas, não poderá ser reaberto o processo, pois é melhor a segurança do momento do que a incerteza permanente. Havendo injustiça, pode-se pedir a revisão criminal.

         O Princípio da indelegabilidade, expresso por um princípio constitucional, prega que nenhum poder pode delegar atribuições de sua competência, portanto, a jurisdição é indelegável, só pode ser exercida pelo Poder Judiciário. Havendo essa delegação estará violando o princípio do juiz natural. As partes, quando o processo está em andamento, ficam a disposição do juiz, em posição de sujeição, pois a autoridade dos órgãos jurisdicionais, impõe-se por si mesma (inevitabilidade).

         A Constituição Federal, em seu art. 5º, XXXV, garante a todos o acesso ao Poder Judiciário, o qual não pode deixar de atender a quem venha a juízo solicitar uma decisão, pois nenhum conflito deve ser afastado da apreciação judiciária. Esse princípio, inafastabilidade ou indeclinabilidade das decisões serve para garantir ao cidadão o direito de resolver uma pretensão resistida por meio de um juiz legal e imparcial, e este, não pode declinar da sua função alegando obscuridade ou lacuna da lei, por isso o próprio direito põe à sua disposição os princípios gerais do direito, para que nenhum caso concreto fique sem decisão. O juiz, no exercício de suas funções, dispõe do poder jurisdicional e do poder de polícia, e este último lhe é conferido para que possa exercer com autoridade o primeiro. O poder de polícia o autoriza a manter a ordem e o ambiente de respeito nas audiências.

          

ESPÉCIES DE JURISDIÇÕES

A jurisdição, apesar de não comportar divisões, possui algumas classificações, doutrinariamente chamadas “espécies”. As pretensões nas atividades jurisdicionais variam de natureza, conforme o direito objetivo material em que se fundamentam. Há assim, a jurisdição penal exercida pelos mesmos órgãos jurisdicionais comuns que recebem a competência de julgar qualquer processo. Por meio desta o Estado exerce a sua pretensão punitiva. A jurisdição civil é aquela que aprecia causas de natureza não-penal, abrangendo as demais. O ilícito penal se difere do ilícito civil apenas porque a sanção da ilicitude penal é mais grave e merece uma punição, é um agravamento do ilícito civil. Um juiz pode apreciar questões de ordem civil ou criminal. Ele não fica adstrito a uma especialidade, mas nas pequenas comarcas sua competência é geral e em qualquer área. Na ligação civil-penal, uma sentença em uma das justiças pode ter efeito sobre a outra. Ex: num atropelamento com morte, há um processo civil e um criminal, um mesmo fato, dois processos. Procedente ou não a ação criminal, não afasta o dever de indenizar. Nestes dois processos, não há necessidade de produzir as provas duas vezes, basta fazer para um dos processos e utilizá-las nos outro. A sentença criminal transitada em julgado funciona como título de execução na área civil, podendo-se executar a sentença de imediato. No entanto, se procedente a ação, mas o réu for absolvido, não há que falar em indenização.

         A prova produzida em um processo pode ser utilizada em outro, desde que com sua utilização não venha a ferir direitos de terceiros. Um processo não depende do outro para caminhar, mas se caminharem juntos poderá haver possibilidade de fazer prova para cada um deles independentemente do outro. Havendo prova de falsidade de um documento, realizada em processo crime, é bastante para a ação rescisória civil, não sendo necessária a sua repetição no curso desta.

         A chamada justiça especial é exercida pela Justiça Militar, Eleitoral, Trabalho. Suas competências para julgamento de determinadas matérias são dadas pela Constituição. As matérias que estão fora do alcance destas, pertencem à justiça comum onde estão a Justiça Federal e as Justiças Estaduais ordinárias. Pode-se, no entanto, aproveitar decisões de uma justiça em outra, pois não há razões para que uma justiça não aceite o que a outra fez, pois a jurisdição como expressão do poder estatal soberano é uma só.

         A justiça “inferior” ou de primeira instância é aquela exercida pelos juízes que ordinariamente conhecem do processo desde o seu início, portanto tem a competência originária. Trata-se da Justiça Estadual, e dos juízes das comarcas. A “superior” caracteriza-se por ser um grau de recurso, onde as sentenças da primeira instância poderão ser analisadas por um órgão colegiado que pode reformar ou manter a sentença anterior.

         Ao juiz, no julgamento de uma lide, é dada a possibilidade de julgar por equidade, mas somente quando o caso estiver previsto em lei, conforme art. 126 do CPC. Nesse caso, ele faz um julgamento justo, aplicando aquilo que é mais correto. A equidade é bastante usada na área criminal na aplicação das penas. Temos em nosso direito a possibilidade de se resolver um litígio através da justiça arbitral, mas esta ainda não se tornou usual no Brasil, visto que nossa sociedade ainda vê com restrições uma solução para um caso concreto que não seja dada por um juiz de direito investido regularmente na função. No entanto, a arbitragem não afasta a possibilidade de a sentença vir a ser revisada por um órgão do Poder Judiciário.

LIMITES DA JURISDIÇÃO

         Os limites da jurisdição são próprios da soberania do poder estatal que a mantém somente dentro de seu território. As limitações internacionais são ditadas pela necessidade da coexistência do Estados, pela conveniência e viabilidade das decisões. Assim, cada Estado tem pode jurisdicional nos limites de seu território e pertencem à sua autoridade judiciária as causas que ali tenham sede. No Direito Civil existem algumas causas que ligam os conflitos ao território nacional, como por exemplo, quando o réu tiver domicílio no Brasil entre outras. O Direito Penal se rege pelo princípio da territorialidade, não se impondo além dos limites do estado, pois se ultrapassar esse limite viola o princípio do juiz natural.

         Em respeito à soberania dos outros estados, tem-se estabelecido, em direito das gentes, que algumas pessoas por suas qualidades, são imunes à jurisdição de um outro país, tais como os chefes de Estados estrangeiros, os agentes diplomáticos etc. Essa imunidade refere-se tanto à jurisdição penal como a civil. No entanto, essa imunidade não é válida para área trabalhista, que deverá obedecer à norma material nacional. A imunidade, em relação ao direito civil pode ser renunciada, mas na área criminal é inadmissível.

         Nossa jurisdição é total, contudo admite exceção, pois os atos de Administração Pública não são analisados pelo Poder Judiciário quanto ao mérito, somente quanto à sua forma. O judiciário somente poderá intervir quando houver vício formal em licitação, por exemplo. Além disso, a lei expressamente exclui da apreciação do Poder Judiciário as pretensões fundadas em dívidas de jogo, conforme disposto no artigo 1.477 do CC.

JURISDIÇÃO CONTENCIOSA

A jurisdição contenciosa é a verdadeira e legítima jurisdição, a que tem por objeto a composição de conflitos de interesses. Todavia, a jurisdição não se exerce apenas em face de litígios, mas também visando à composição de conflitos de interesses não necessariamente litigiosos.

         As lides pressupõem dois sujeitos, um ativo e outro passivo que litigam através de um processo, que é o instrumento da jurisdição. Assim, uma das características da jurisdição é a existência de partes. O objeto da jurisdição contenciosa é a lide, que é o conflito de interesses qualificado por uma pretensão. Ambas as partes em lide ficam submetidas à jurisdição. Quando o autor a provoca, sempre será lícito ao réu, defender-se, para livrar-se dessa sujeição ou contestar a pretensão daquela. Conclui-se assim, que a jurisdição contenciosa se caracteriza, ainda, pela possibilidade de contraditório.

         A finalidade da jurisdição é assegurar a paz jurídica, ameaçada ou violada. Assim, a decisão proferida pelo juiz deverá ser irrevogável e imutável. Sem essas prerrogativas a eficácia da sentença cairia na incerteza o direito por ela declarado, e a lide poderia ressurgir a qualquer momento. Assim, a decisão, uma vez transitada em julgado, produz coisa julgada, isto é decisão à qual já não cabe mais recurso.

JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA

Enquanto a jurisdição contenciosa visa à composição de conflitos, a voluntária versa sobre interesses não em conflitos. Ambas se exercem pelos órgãos jurisdicionais e tem por finalidade assegurar a paz jurídica. Mas a defesa da ordem jurídica não é exclusividade da função jurisdicional. O Estado intervém na administração dos mais diversos interesses privados, pelos mais diferentes órgãos. A lei lhe confere o poder de intervir na sua administração, conquanto isso venha a limitar a autonomia da vontade dos respectivos titulares.

Contudo, há certas categorias de interesses privados cuja administração é atribuída a órgãos públicos, é especialmente conferida a órgãos jurisdicionais, devido a sua gravidade e delicadeza, a lei prefere atribuí-las aos órgãos do Poder Judiciário, porque este se apresenta em melhores condições de desempenhar, tanto por seus conhecimentos jurídicos, capacidade e idoneidade, como também pelas garantias de independência que gozam. Pode-se conceituar a jurisdição voluntária como administração de interesses privados pelos órgãos jurisdicionais.

Como aqui não se resolve conflitos, não há que se falar em partes, mas apenas em interesses. Portanto, aqui não há contraditório, pois os interessados não têm o que contrariar. Diante do exposto se conclui que, a jurisdição voluntária não é propriamente uma jurisdição, pois não pressupõe a existência de conflitos de interesses entre duas partes, ela se exerce para tutelar determinadas categorias de interesses, protegendo os respectivos interessados. Sua finalidade é assegurar a paz jurídica, não que esta esteja ameaçada ou violada, mas porque o interesse a tutelar-se é daqueles que merecem especial proteção do Estado.

 

Valdirene Laginski

Advogada do escritório Pacheco Neto Sanden e Teisseire Advogados, com atuação nas áreas cível e trabalhista.

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