O Código Civil Brasileiro anterior à Lei nº 10.406/02 (atual código em vigência), apresentava três formas de regimes de bens no casamento, a saber: comunhão universal, separação parcial e separação total de bens. O Código atual acrescentou uma novidade, a participação final nos aquestos, ou seja, a participação nos bens adquiridos durante a constância do casamento por um dos cônjuges.
Nesse novo regime, os bens adquiridos durante o casamento pertencem exclusivamente ao cônjuge que os adquiriu, e que poderá administrar seu patrimônio de forma unilateral e autônoma. Contudo, esses bens serão divididos no momento de eventual separação do casal.
No que dizia respeito ao regime de bens, o Código anterior previa que, uma vez escolhido o regime pelos cônjuges, a decisão se tornava irrevogável. Porém, a nova legislação civil inovou e acrescentou uma novidade no parágrafo segundo do art. 1.639, ao permitir que o regime adotado pelos cônjuges possa ser alterado a qualquer momento. Vejamos:
Art. 1639 (...)
Parágrafo segundo - É admissível a alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.
No entanto, a mudança de regime somente poderá ser efetuada mediante o ajuizamento de uma ação judicial, na qual os cônjuges, de comum acordo, apresentarão suas justificativas aptas a ensejar a alteração desejada. A alteração do regime será averbada no cartório de registro, após a manifestação do Ministério Público e a devida homologação pelo Poder Judiciário.
Segundo as palavras do ilustre Desembargador do TJRS e Presidente do IBDFAM-RS, Luiz Felipe Brasil dos Santos, em artigo intitulado “A mutabilidade dos regimes de bens”:
“Inovando profundamente na matéria, o Código Civil de 2002 subverte o sistema anterior, e passa a admitir a alteração do regime de bens no curso do casamento, nas condições postas pelo artigo 1.639, § 2o. Sinale-se que, desta forma, o ordenamento jurídico nacional, na linha das legislações mais recentes, faz com que a autonomia de vontade dos cônjuges, no que diz com o ajuste dos efeitos patrimoniais do casamento, amplie-se consideravelmente, não se manifestando apenas no momento anterior ao matrimônio, através da pactuação do regime de bens que adotarão ao casar – momento em que, pelo consagrado princípio da livre estipulação (art. 1.639, “caput”), poderão escolher (salvante as hipóteses em que é obrigatório o regime da separação de bens – art. 1.641, CC) o regime de bens que melhor lhes aprouver – como podendo vir a modificar, ante circunstâncias que a extraordinária dinâmica da vida venha a lhes apresentar, a escolha feita naquele momento precedente”. (artigo publicado no site http://www.migalhas.com.br/)
Porém, cumpre observar que para efetuar a alteração do regime, os cônjuges devem demonstrar que tal alteração, em hipótese alguma, afetará direitos de terceiros, sob pena de indeferimento do pedido. Neste passo, importante a atuação do Ministério Público e análise cuidadosa pelo magistrado dos fatos elencados como motivadores da alteração requerida.
Mas, ainda há muita divergência entre os juristas no que diz respeito à aplicação do artigo supra mencionado. Duas correntes doutrinárias estão interpretando o referido artigo de maneiras diferentes. Para uma corrente o regime adotado antes da vigência do novo Código Civil é imutável, e, para outra, mais inovadora, o regime pode ser alterado com base na nova lei.
Contudo, a divergência de opiniões ao interpretar a legislação não deve ser levada a efeito. A alteração do regime deve ser interpretada de maneira que venha a beneficiar os casais que se uniram antes da vigência do novo Código e queiram alterar o regime, desde que adotadas as cautelas para resguardar direitos de herdeiros e terceiros interessados.
Por outro lado, impende ressaltar que a alteração do regime para adotar a separação total de bens, só afetará os bens adquiridos após a homologação do regime pelo juiz. A alteração do regime não afetará os bens constituídos sob o regime antigo, patrimônio comum, que só poderá ser partilhado mediante eventual separação do casal.
Conforme já ressaltado, a alteração do regime de bens deve ser analisada cautelosamente pelo magistrado para evitar que terceiros saiam prejudicados, haja vista que um dos cônjuges pode intencionalmente transferir todos os seus bens para o outro objetivando lesionar eventuais credores.
Porém, se posteriormente restar comprovado que a alteração do regime se deu nestas condições, ou seja, com o objetivo de prejudicar terceiros interessados, estes poderão se socorrer de ação anulatória, antes de consumada a prescrição.
Mas, ainda é cediço para se chegar a uma conclusão definitiva sobre a aplicação do parágrafo segundo do artigo 1.639, o que só ocorrerá com a manifestação de nossos Tribunais Superiores com a análise concreta de situações levadas a juízo.
Nesse sentido, importante trazer à baila acórdão proferido pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que em recente decisão se manifestou no sentido de que o parágrafo segundo do artigo 1.639 do Código atual, pode ser aplicado para alterar o regime de bens a qualquer tempo.
PEDIDO DE ALVARÁ JUDICIAL. PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO PARA LAVRAR ESCRITURA PÚBLICA DE PACTO ANTENUPCIAL. POSSIBILIDADE JURÍDICA DA ALTERAÇÃO DE REGIME. DESNECESSIDADE DE ESCRITURA PÚBLICA. 1. Não tendo havido pacto antenupcial, o regime de bens do casamento é o da comunhão parcial sendo nula a convenção acerca do regime de bens, quando não constante de escritura pública, e constitui mero erro material na certidão de casamento a referência ao regime da comunhão universal. Inteligência do art. 1.640 NCCB. 2. A pretensão deduzida pelos recorrentes que pretendem adotar o regime da comunhão universal de bens é possível juridicamente, consoante estabelece o art. 1.639, §2º, do Novo Código Civil e as razões postas pelas partes são bastante ponderáveis, constituindo o pedido motivado de que trata a lei e que foi formulado pelo casal. Assim, cabe ao julgador a quo apreciar o mérito do pedido e, sendo deferida a alteração de regime, desnecessário será lavrar escritura pública, sendo bastante a expedição do competente mandado judicial. O pacto antenupcial é ato notarial; a alteração do regime matrimonial é ato judicial. 3. A alteração do regime de bens pode ser promovida a qualquer tempo, de regra com efeito ex tunc, ressalvados direitos de terceiros. Inteligência do artigo 2.039, do NCCB. 4. É possível alterar regime de bens de casamentos anteriores à vigência do Código Civil de 2002. Recurso provido. Ap. Cívl n. 70 006 423 891, Farroupilhas – RS – Sétima Câmara Cível do TJRS. (Grifei)
De acordo com o acórdão acima transcrito, é possível aplicar a disposição constante no parágrafo segundo do artigo 1.639 do Código atual para alterar o regime de bens, inclusive para os casamentos realizados sob a égide do código anterior, ora revogado.
Valdirene Laginski
Advogada do escritório Pacheco Neto Sanden e Teisseire Advogados, com atuação nas áreas cível e trabalhista.
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