EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE

Diante da infração de uma norma penal, estando configurada a tipicidade, adequação do caso concreto ao tipo descrito na lei como infração penal, a antijuridicidade, confronto da conduta com a norma penal causando uma lesão a um bem jurídico protegido, e a culpabilidade, juízo de reprovação social ao fato gerador da lesão, nasce para o Estado o poder-dever de aplicar a lei ao caso concreto. É a chamada subsunção, que se exterioriza, no caso, através do "jus puniendi".

Entretanto, a própria norma penal prevê alguns casos capazes de impedir a ação punitiva do Estado, mesmo após a configuração da infração penal. São as chamadas causas extintivas da punibilidade, previstas no artigo 107 do Código Penal.

Tais causas têm razão de existir, uma vez que em determinadas situações a ação punitiva do Estado tornar-se-ia, ela mesma, em uma medida injusta, seja por sua aplicação tardia, seja por causar um sofrimento maior ao próprio ofendido, seja por representar uma indiferença diante do sofrimento do próprio agente, mesmo pela impossibilidade de aplicação da sanção pela morte do agente, ou ainda pela descaracterização do fato como crime.

Veremos os casos mais importantes:

A primeira causa extintiva da punibilidade prevista no artigo 107 do Código Penal, mais precisamente em seu inciso I, é a morte do agente.

Com a morte do agente deixa de existir o próprio destinatário da ação punitiva do Estado, devendo, portando, haver a extinção do processo sem o julgamento do mérito. A prova da morte faz-se através da Certidão de Óbito. Se for decretada a extinção do processo pela morte do agente, com base em uma Certidão de Óbito falso, o Ministério Público poderá através do Recurso em Sentido Estrito, antes do trânsito em julgado da sentença, provocar a restauração do processo. Entretanto, se ocorrer o trânsito em julgado da sentença que declarar a extinção da punibilidade, nada há a fazer. Não é cabível neste caso a Ação de Revisão Criminal, uma vez que o direito brasileiro não abarca a revisão "pro societate", apenas a revisão "pro reu", devendo assim ser respeitada a coisa julgada.

O inciso II do artigo 107 prevê a extinção da punibilidade pela anistia, graça e indulto. São formas de clemência, de renúncia do Estado ao direito de punir.

A anistia é aplicada pelo Congresso Nacional, em regra a crimes políticos. Dessa forma é concedida a determinados fatos, beneficiando a todos aqueles que se encontrarem na mesma situação. Com a anistia apaga-se o próprio fato cometido, voltando o réu à condição de primário, não sofrendo os efeitos secundários da condenação, se já tiver ocorrido esta.

A graça e o indulto divergem pelo fato de que a graça é individual, atingindo pessoa determinada, e o indulto é coletivo, abarcando todos aqueles que se encontram na mesma situação, assim como a anistia. Entretanto, a concessão da graça pode ser provocada ao Poder Público pelo próprio condenado, pelo Ministério Público ou pelo Conselho Penitenciário, embora também possa ser concedido de forma espontânea. Tanto a graça como o indulto é de competência do Presidente da República.

Também divergem da anistia pelo fato de que ambos pressupõem o trânsito em julgado da sentença.

O inciso IX trata do perdão judicial, remetendo aos casos previstos em lei. O perdão judicial tem lugar quando o Estado verifica que o próprio agente foi atingido por seus atos, tornando inócua a aplicação da sanção penal. É o caso do § 5º do artigo 121, que trata do homicídio culposo. Assim, se num acidente de automóvel, por exemplo, morre algum familiar do condutor, ou mesmo um amigo íntimo, inegável é o sofrimento do mesmo diante do ocorrido, tornando-se inócua a aplicação da pena, quiçá até injusta. Também está previsto o perdão judicial no § 8º do artigo 129, que trata da lesão corporal culposa, quando autoriza a aplicação à mesma do § 5º do artigo 121, anteriormente comentado.

O artigo 120 do Código Penal determina, ainda, que a sentença que conceder o perdão judicial não será considerada para efeitos de reincidência.

O inciso IV traz a decadência, a perempção e a prescrição como formas de extinção da Punibilidade.

A decadência, em direito processual penal, é a perda do direito de punir do Estado pelo não exercício do direito de queixa ou representação por parte do ofendido ou seu representante legal, nos crimes de ação penal de iniciativa privada, no prazo estipulado em lei, que em regra é de seis meses. Tal prazo contar-se-á a partir do momento em que se tiver indício da autoria, não se suspendendo, nem se interrompendo.

Há que se observar, entretanto, alguns casos especiais, como o do crime continuado, em que o prazo deverá ser computado isoladamente para cada crime; do crime habitual em que contar-se-á a partir do último ato praticado; e do crime permanente, que só alcançará os atos praticados antes do prazo de seis meses.

A perempção também tem lugar apenas nos crimes de ação penal de iniciativa privada. O artigo 60 do Código de Processo Penal determina a ocorrência da perempção quando: o querelante deixar de promover o andamento do processo pelo prazo de 30 dias; falecendo ou sobrevindo a incapacidade do querelante, as pessoas autorizadas em lei não o substituir no processo no prazo de 60 dias; quando deixar de comparecer em audiência ou de formular pedido de condenação nas alegações finas; ou, sendo o mesmo pessoa jurídica, esta se extinguir sem deixar sucessor.

Cabe salientar a não aplicação da perempção nas ações penais públicas, seja incondicionada ou condicionada, diante dos Princípios da Obrigatoriedade e da Indisponibilidade que regem a atuação do órgão do Ministério Público.

Por fim trata da prescrição. A prescrição é a perda do "jus puniendi" do Estado pelo seu não exercício dentro de determinado prazo. Tem seu fundamento no fato de que a justiça tardia torna-se injusta e na busca da pacificação das situações jurídicas e sociais. Assim, se o Estado não exercer o seu direito dentro do prazo estipulado para cada delito, com base na pena aplicável, abstrata ou concretamente, previsto no artigo 109 do Código Penal, não poderá mais fazê-lo, ocorrendo a prescrição da pretensão punitiva ou executória.

Tratemos da prescrição da pretensão punitiva.

A prescrição da pretensão punitiva tem sede antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Seu prazo começa a correr a partir: do dia da consumação do delito; do dia em que cessar a atividade criminosa, no caso da tentativa; no dia em que cessou a permanência, no crime permanente; e nos crimes de bigamia e falsificação ou alteração de assento do registro civil, do dia em que se tornou conhecido. Por ser de Direito Penal, o dia do começo inclui-se no cômputo do prazo.

Como é da natureza do prazo prescricional ele se suspende e se interrompe diante de alguns fatos ou situações previstas em lei. É do que tratam os artigos 116 e 117 do Código Penal.

O artigo 116 determina que ficará suspensa a prescrição enquanto pendente processo cuja questão dependa o reconhecimento do crime. São as questões prejudiciais que trata os artigos 92 a 94 do Código de Processo Penal. Também fica suspenso o prazo enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro.

A Constituição Federal de l.988 em seu artigo 53, § 2º, prevê também a suspensão da prescrição diante do indeferimento da licença nos casos de imunidade parlamentar.

O prazo suspenso recomeça a correr, quando cessado o motivo da suspensão, de onde havia parado, ou seja, conta-se apenas o restante do prazo.

Já no caso da interrupção, prevista nos incisos do artigo 117, o prazo começa a correr novamente. O rol do artigo 117 é taxativo, não podendo ser aumentado analogicamente.

A prescrição, portanto, interrompe-se: pelo recebimento da denúncia ou queixa; pela pronúncia; pela decisão confirmatória da pronúncia; pela sentença condenatória recorrível; pelo início ou continuação no cumprimento da pena; e pela reincidência.

Merece destaque em nosso trabalho a interrupção em decorrência da sentença da pronuncia. A pronúncia é a peça que põe termo a primeira fase do procedimento escalonado do júri, o chamado "judicium accusationis" ou Sumário de Culpa, em que verificada a materialidade e indícios de autoria o juiz manda o réu a julgamento. Vê-se, portanto, que neste momento predomina o princípio "in dubio pro societate", exceção à regra.

Com a pronúncia, portanto, fica interrompido o prazo prescricional passando a ser contado novamente, desde o início, a partir da data da publicação da mesma.

A segunda parte do § 1º do artigo 117 determina a extensão da interrupção do prazo prescricional aos crimes conexos.

A desclassificação do crime para outro de competência do Tribunal do Júri prevista no artigo 408 também tem o condão de interromper o prazo prescricional, pois equivale à pronúncia, o que não ocorre se a desclassificação for feita pelo Júri para crime de competência do juiz singular, pois neste caso, do qual trata o artigo 410 do Código de Processo Penal, não há previsão legal.

A impronúncia e a absolvição sumária não interrompem a prescrição. Entretanto, se houver recurso da acusação e a superior instância pronunciar o réu, esta decisão também interrompe o prazo prescricional.

Controvertido na jurisprudência é o entendimento a respeito da interrupção ou não da prescrição pela sentença que concede o perdão judicial. O Supremo Tribunal Federal endente que tal sentença tem natureza condenatória. Já o Superior Tribunal de Justiça entende ser ela declaratória. No primeiro a mesma interrompe a prescrição, já no segundo não.

Em matéria falimentar, que tem tratamento específico pela Lei de Falências, a prescrição da pretensão punitiva, que é de dois anos, conta-se da data do trânsito em julgado da sentença de encerramento da falência, ou da data em que deveria estar encerrada, que é de dois anos de seu início.

Uma vez que o Supremo Tribunal Federal, conforme sua súmula 592, entendeu ser aplicáveis as causas de interrupção da prescrição do artigo 117 do Código Penal aos delitos falimentares, por força do § 1º, segunda parte do citado artigo, tal regra aplica-se também aos crimes conexos.

Tem-se, portanto, o delineamento básico de algumas das principais causas de extinção da punibilidade, não sendo, entretanto, menos importantes aquelas não mencionadas neste trabalho, sejam as constantes do artigo 107 do Código Penal ou não.

Luís Ricardo Fernandes de Carvalho

OAB/SP nº. 165.026