Exoneração de fiança.
A fiança é um contrato acessório em relação ao contrato principal, pelo qual o fiador se responsabiliza pela dívida do devedor junto ao credor. A responsabilidade do fiador é subsidiária, salvo se estipular solidariedade entre este e o devedor principal. Uma vez assumida a obrigação de fiador, este ficará responsável nos exatos termos em que se obrigou, não podendo sequer alegar impenhorabilidade ainda que se trate de seu único imóvel, ou seja, aquele destinado à sua moradia ou de sua família
Podem ser fiadores todos aqueles que são maiores ou emancipados e estão com direito à livre disposição dos seus bens. O cônjuge, sem outorga uxória, não poderá assumir esta responsabilidade, seja qual for o regime de bens do casamento. E na ausência da outorga uxória, o ato é nulo ou anulável, há farta jurisprudência nos dois sentidos:
2.TACivSP - FIANÇA - Garantia prestada sem outorga uxória - Ato meramente anulável e não nulo - Interpretação do art. 248, III, do CC.
2.TACivSP - FIANÇA - Outorga uxória inexistente - Ato anulável e não nulo - Legitimidade da mulher para requerer a decretação - Inteligência dos arts. 178, § 9.º, "b" e 235, III, do CC.
2.TACivSP - FIANÇA - Ausência de outorga uxória - Nulidade - Inteligência do art. 235, II, do CC.
2.TACivSP - FIANÇA - Outorga uxória inexistente - Afronta ao art. 235, III do CC - Nulidade decretada.
TARS - FIANÇA - Nulidade -- Outorga uxória inexistente -- Afronta ao art. 235, III, do CC - Vício de caráter absoluto, que pode ser declarado de oficio.
Caso o devedor principal não cumpra a obrigação e o fiador venha a ser acionado para responder pela dívida, sem que antes tenha sido acionado aquele, poderá alegar o benefício de ordem para que os bens do devedor sejam excutidos em primeiro lugar, salvo se foi estipulada solidariedade. O benefício de ordem é um direito que tem o fiador de só responder pela dívida se, primeiramente, foi acionado o devedor e este não cumpriu a obrigação. Segundo disposição do código civil, os bens do devedor deverão ser executados antes dos bens do fiador (art. 1491). “O fiador que alegar o benefício de ordem a que se refere este artigo, deve nomear bens do devedor, sitos no mesmo município, livres e desembargados, quantos bastem para solver o débito” (RF, 94:63).
No que diz respeito à exoneração da fiança, deve-se analisar, primeiramente, se o contrato foi assinado por tempo determinado ou indeterminado, pois no primeiro caso a fiança se extingue no momento em que se dá por encerrado o prazo contratado. No segundo caso, o fiador permanecerá responsável enquanto o contrato estiver vigorando, mas em ambos casos pode o fiador dela se exonerar. Segundo o artigo 1500 do Código Civil, ainda que a fiança não tenha limite de tempo, poderá o fiador dela se exonerar se assim lhe convier, responsabilizando-se, porém, por todos os efeitos dela decorrentes, anteriores ao ato amigável, ou à sentença que venha a exonerá-lo. Quanto ao momento judicial em que cessam as responsabilidades do fiador em caso de exoneração, há entendimento nos dois sentidos:
“O momento a ser fixado como termo final de responsabilidade é data da citação” (processo nº 1315/99 – 5ª Vara Cível da Comarca de Sorocaba).
2.TACivSP - FIANÇA - Exoneração - Declaração feita judicialmente nos termos do art. 1500 do CC - Ato cujos efeitos operam-se a partir da data da citação, quando o credor toma conhecimento da manifestação de vontade do fiador.
TAPR - FIANÇA - Locação - Contrato prorrogado por tempo indeterminado - Exoneração - Admissibilidade - Responsabilidade, porém, que permanece até a data da sentença e não da citação se o locador não retardou o desfecho da ação declaratória - Inteligência do art. 1.500 do CC.
1.TACivSP - FIANÇA - Obrigação assumida por tempo indeterminado - Exoneração do fiador - Admissibilidade, ficando, porém, obrigado por todos os seus efeitos até quando a sentença o exonerar - Voto vencido.
Segundo a lição do mestre Caio Mário da Silva Pereira: ”justo será que o fiador fique livre a partir da citação, retroagindo os efeitos da sentença até a sua data” (in Instituições de Direito Civil, ed. Forense, v.3, p. 465).
Parece lógico que a responsabilidade se encerre quando da citação, uma vez que a partir deste momento fica demonstrado que não há mais concordância do fiador em continuar prestando a fiança, portanto, nada mais justo que os efeitos da sentença retroajam liberando-o desde aquele momento, até porque com a sobrecarga de trabalho do Poder Judiciário, um processo pode levar alguns anos para que se chegue a uma decisão definitiva, continuar com a responsabilidade durante todo esse período é onerar demais o fiador.
Porém, se um contrato foi assinado por tempo determinado e vindo a se transmudar para tempo indeterminado, o fiador deve ser comunicado para manifestar sua concordância em continuar a ser fiador. Caso não haja a expressa manifestação de vontade deste, ainda que exista no contrato a cláusula escrita de não renunciar, ela não deverá prevalecer. A doutrina majoritária entende que a referida cláusula deve ser recebida com reservas, posto que significaria aceitar a duração indefinida da fiança, ainda que contrariamente se manifestasse o fiador. E a nossa jurisprudência já se manifestou neste sentido quando analisou contrato de locação:
“Ainda que haja cláusula de duração da responsabilidade do fiador até a concreta entrega das chaves, pode ele exonerar-se da fiança por sua conveniência se o contrato sobre que ela incidir se determinar no tempo” (Lex-JTA 146/291).
2.TACivSP - FIANÇA - Locação - Prorrogação por prazo indeterminado - Exoneração da garantia - Admissibilidade - Irrelevância de o contrato conter cláusula de permanência da obrigação até a entrega das chaves - Inteligência do art. 1.500 do CC.
2.TACivSP - FIANÇA - Exoneração - Contrato de locação por tempo indeterminado - Pretensão deduzida judicialmente - Admissibilidade - Direito admitido ao fiador, pretendendo-se evitar que a responsabilidade deste subsista de modo indefinido, incerto, indeterminado e ilimitado - Inteligência do art. 1.500 do CC - Voto vencido.
“A cláusula de validade de fiança “até a entrega das chaves”, não pode ser interpretada como um beco sem saída para o fiador, único a não poder dar por finda a locação e único a dela não extrair qualquer proveito. Por isso essa cláusula não implica em renúncia absoluta à faculdade de exoneração da fiança, prevista no art. 1.500 do Código Civil. Controvérsia que se resolve pela adoção de tese que restabelece o equilíbrio entre as partes. Recurso especial conhecido e provido”. (Resp n. 45.214/SP, Rel. Min. Assis Toledo, DJU de 30/05/1994).
No mesmo sentido a Súmula nº 214 do Superior Tribunal de Justiça - "O fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu". Referência: CC, art. 1.483, “A fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação extensiva”. Deste modo, e segundo palavras de Maria Helena Diniz em Comentários ao referido artigo “o fiador só responderá pelo que estiver expresso no instrumento da fiança, e, se alguma dúvida houver, será ela solucionada em favor dele”.
Assim sendo, o fiador que prestou fiança num contrato por tempo determinado e vindo este a ser prorrogado por tempo indeterminado, sem a sua anuência em relação à fiança, tem o direito de impetrar uma ação de exoneração de fiança justificando a sua atitude. A declaração judicial feita nos termos do artigo 1500, do Código Civil, libera-o dos efeitos desde a citação, uma vez que é nesse momento que o credor toma conhecimento de sua manifestação de vontade, conforme jurisprudência retro citada.
Valdirene Laginski
Advogada do escritório Pacheco Neto Sanden e Teisseire Advogados, com atuação nas áreas cível e trabalhista.
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