Indenização por danos morais à pessoa jurídica

O dano moral caracteriza-se através da violação de um bem juridicamente tutelado, sem repercussão patrimonial. E o patrimônio é definido como um complexo de relações jurídicas com valor econômico, diferente da moral que é um bem subjetivo com valor imensurável.

 

Em brilhante definição de Wilson de Melo da Silva “Danos morais são lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição a patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico” (O Dano Moral e sua Reparação, Rio, 1995, n° 01).

 

E o professor Limongi França afirma: “Para que o dano moral seja indenizável não é necessário que tenha havido prejuízo econômico, o qual por si só é indenizável. Mas, deve-se lembrar que a moral é também um patrimônio e dos mais valiosos” (Repertório IOB de Jurisprudência, verbete n° 3/209, pg. 375, 12/88 – O Dano Moral e o Cheque Devolvido – comentários à apelação civil AP n° 36.401-1 – TJSP).

 

É certo que o dano moral por estar presente no campo da subjetividade, atinge a honra do ser humano enquanto membro de uma sociedade organizada e advém de práticas que atentam contra a sua personalidade, proporcionando sentimento de dor, vergonha, humilhação etc.

 

Porém, a honra é indicadora da dignidade, seja de pessoa física (honra subjetiva) ou pessoa jurídica (honra objetiva), que procura viver com honestidade, pautando seu modo de vida nos ditames da moral e dos bons costumes.

 

A pessoa jurídica que zela pelos valores éticos e morais, agindo dentro dos padrões de comportamento exigidos, pode, portanto, sofrer ofensa moral, passível de indenização. Assim já se manifestou o Tribunal de Justiça do Distrito Federal: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral” (Verbete 227, Súmula/STJ).

 

A pessoa jurídica é uma ficção da lei, desprovida de qualquer sentimento, portanto, imune à lesão e ofensas à sua honra subjetiva, atributos do direito de personalidade inerentes à pessoa física enquanto ser humano. Todavia, é inegável que a pessoa jurídica pode sofrer danos morais por lesões à sua honra objetiva, pois goza de uma reputação perante terceiros, e um ataque que venha macular ou denegrir seu bom nome no campo das relações comerciais, pode acarretar danos de acentuada proporção em razão do conceito que exerce no mercado.

 

Adriano de Cupis, em sábias palavras afirmou que “Não podendo a pessoa jurídica sofrer os danos subjetivos, tem a capacidade para sofrer os objetivos” (Adriano de Cupis, apud Arnaldo Marmitt, “Perdas e Danos”, 2ª ed., Rio, Aide, 1992, p. 136).

 

E neste sentido a jurisprudência já entendeu: “Para a configuração do dano moral é preciso que o fato que a originou assuma repercussão externa, digna de consideração no meio social, capaz de levar à segura conclusão de que a imagem da pessoa jurídica restou verdadeiramente arranhada ou atingida” (Acórdão n° 154494, DJU, 31.05.2002, p. 45).

 

E a indenização moral é parte integrante do nosso ordenamento jurídico, abraçada pelo nosso Direito de forma definitiva, expressamente regulada na Magna Carta de 1988, em seu artigo 5°, inciso X, como direito fundamental.

 

O texto constitucional quando determinou que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas....”, segundo afirmação do ilustre jurista Rui Stocco, “não fez qualquer distinção entre pessoas físicas e jurídicas, de modo que onde a lei não distingue não cabe ao intérprete distinguir. A pessoa jurídica, porque possuidora de honra objetiva, também está acobertada pela proteção constitucional, não podendo ser violada em sua intimidade comercial e empresarial e em sua vida societáriain Tratado de Responsabilidade Civil, Ed. RT, 5ª Ed., p. 1351. Desta forma, qualquer lesão injusta a valores legalmente protegidos, seja de pessoa física ou jurídica, deve ser indenizada.

 

A legislação infraconstitucional também prevê a indenização moral e material por ato ilícito. Assim o Código Civil de 1916 no artigo 159 dispõe que: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”, aí se incluindo o dano moral e material. No mesmo sentido o artigo 186 do Novo Código Civil, Lei 10.406/2002, em vigor a partir de janeiro de 2003, que assim dispõe: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”, indenizável.

 

E mais, coma edição da Súmula 227 do Superior Tribunal de Justiça em 1999, acima epigrafada, a divergência entre os doutrinadores restou definitivamente resolvida.

 

O entendimento de que a pessoa jurídica pode sofrer dano moral foi firmado, pela primeira vez, pelo Supremo Tribunal Federal, em decisão da 2ª Turma, a partir de voto do ministro Néri da Silveira (AGCRA-244072 / SP).

 

Já em 1998, o Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, entendeu “viável considerar-se que a pessoa jurídica sofra danos de natureza moral, isto tendo em conta o conceito mais moderno da expressão, que não diz respeito apenas a sentimento, alcançando, também “comportamento, prática, praxe e atitudes inerentes à pessoa, física ou jurídica” (AG-232006/MG). E, considerando que a empresa, pessoa jurídica, tem sua moral centrada no conceito de seus produtos colocados no mercado e no seu bom nome empresarial, sofrendo uma lesão em seus direitos deve ser indenizada.

 

Exemplo clássico do cabimento da indenização por danos morais ocorre quando há o protesto de título após a quitação de dívida, abalando o conceito de pessoa jurídica no mercado, entendendo o Supremo Tribunal Federal que a interpretação do artigo 5°, inciso X, da Constituição Federal, não deve se restringir somente às pessoas naturais. (Agravo 235113/PR).

 

Outro exemplo caracterizador da indenização por dano moral é a difamação através dos meios de comunicação com intenção única de ofender e denegrir a imagem de pessoa jurídica. É fato que enseja dano moral porque a imprensa, muitas vezes, abusa do seu direito de informação e manifestação livre de pensamento, ferindo seus direitos constitucionalmente assegurados no artigo 5°, incisos IV e X, e 220 e parágrafos, e, em conseqüência acarreta danos morais. E mais, agindo dolosamente, a indenização não deve se limitar aos valores definidos pela Lei 5.250/67 – Lei de Imprensa (Apelação Cível - Acórdão n° 138698, DJU 13/06/2001, p. 24).

 

E o artigo 49, inciso I, da Lei 5.250/67 (Lei de Imprensa), diz que: “Aquele que no exercício da liberdade de manifestação de pensamento e de informação, com dolo ou culpa, viola direito, ou causa prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar os danos morais e materiais......”. Uma publicação de notícia falsa ou deturpada pode acarretar graves prejuízos à empresa, pois provoca desconfiança no mercado financeiro abalando seriamente a imagem da pessoa jurídica.

 

A ocorrência de uma lesão à honra objetiva da empresa, lhe acarreta, como conseqüência imediata, danos de ordem patrimonial, posto que o abalo de crédito no mercado gera perda de clientela e lucros. Desta forma, o entendimento da doutrina e jurisprudência é pacífico de que pode haver a cumulação de indenização por danos morais e materiais, quando tenham origem no mesmo fato.

 

A indenização por danos morais vale até como forma de satisfação moral e psicológica de ver um direito reconhecido, ainda que a compensação financeira seja insignificante.  A doutrina e jurisprudência entendem que a fixação deve ficar ao livre e prudente arbítrio do juiz que deve levar em conta a necessidade de satisfazer a vítima, sem provocar um enriquecimento indevido, nos termos do artigo 1553 do Código Civil, posto que em caso de dano moral, não há parâmetros objetivos para a fixação da quantia a ser paga, mas deve ser tanta que sem representar uma compensação indevida, sirva como sanção ao culpado, evitando-se, assim, a repetição da conduta (RT 706/67).

 

Valdirene Laginski

Advogada do escritório Pacheco Neto Sanden e Teisseire Advogados, com atuação nas áreas cível e trabalhista.

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