Supressão no fornecimento de água pela constatação de débitos anteriores à aquisição do imóvel

Ao adquirir um imóvel o novo titular do domínio assume todas as responsabilidades da propriedade advindas. De acordo com o artigo 1137 “caput”, do Código Civil, na escritura de transferência de imóveis, serão transcritas as certidões de se acharem eles quites com a Fazenda Federal, Estadual e Municipal, de quaisquer impostos a que possam estar sujeitos. E no parágrafo único diz que a certidão negativa exonera o imóvel e isenta o adquirente de toda responsabilidade. Desta forma, o adquirente só fica isento se comprovar, mediante a apresentação de certidão negativa, a inexistência de débitos anteriores à aquisição.
 

Porém, adquirindo o imóvel nas condições em que se encontra, sem tomar os cuidados necessários em relação a possíveis dívidas existentes, assume o adquirente a responsabilidade pelos débitos vinculados ao imóvel. Existindo débitos anteriores junto à prestadora do serviço, a supressão do fornecimento de água pelo Poder Público ante o inadimplemento do consumidor tem amparo legal, face à legislação municipal e federal (Lei nº 8.987/95) que trata dos serviços públicos e dispõe que o inadimplemento do consumidor terá como conseqüência a suspensão do fornecimento.


Vale lembrar que há entendimento em sentido contrário, afirmando que nos serviços obrigatórios, a suspensão do fornecimento é ilegal, pois se a administração o considera essencial impondo-o coercitivamente ao usuário (água e esgoto), não pode suprimi-los por falta de pagamento. Nos serviços facultativos, como telefone, por exemplo, a suspensão é legítima, porque sendo um serviço de fruição livre, entende-se não essencial, e, portanto, suprimível quando o usuário deixar de remunerá-lo, sendo, entretanto, indispensável o aviso prévio (Hely Lopes Meireles). Afirmam, alguns autores, que o Estado não precisa, necessariamente, interromper o fornecimento do serviço, pois tem ele outros meios de cobrar do usuário, como por exemplo, executando judicialmente o título da dívida.


O fornecimento de água é serviço público prestado “
uti singuli” ou individual, tem usuários determinados, utilização particular e mensurável para cada destinatário, é remunerado diretamente pelo usuário mediante cobrança de taxa ou tarifa. Portanto, utilizando-se do serviço, o consumidor fica obrigado a quitar o débito, e a finalidade da lei, nas sábias palavras de Eduardo Lima Matos, “não foi e não será garantir a continuidade do serviço público para inadimplentes”. (Suspensão de Serviço Público por falta de pagamento. Não violação do CDC, in Revista de Direito do Consumidor 5/203).


Celso Antônio Bandeira de Mello define serviço público como sendo: “
Toda atividade de oferecimento de utilidade e comodidade material fruível diretamente pelos administrados, prestado pelo Estado ou por quem lhe faça às vezes, sob um regime de Direito Público -
  portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais – instituído pelo Estado em favor dos interesses que houver definido como próprios no sistema normativo” in Curso de Direito Administrativo, São Paulo, Ed. Malheiros, 1997, p. 423.


Em se tratando de créditos tributários cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, assim como os créditos tributários relativos a taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, subrogam-se na pessoa do respectivo adquirente, salvo se da escritura de compra e venda há prova de sua quitação (art. 130 do CTN). Portanto, se o adquirente compra a propriedade com débito pendente, fica obrigado a efetuar o respectivo pagamento, exceto se apresentar a certidão comprobatória de que o mesmo havia sido quitado.


Segundo Hely Lopes Meireles, “
as certidões de quitação fornecidas pela Fazenda Pública sempre ressalvam o direito de cobrar créditos tributários que venham a ser apurados. Essa ressalva, porém, não retira da certidão o efeitos que lhe atribui o artigo 130 do Código Tributário. Se retirasse, aliás, ela não teria nenhum sentido, pois o adquirente ficaria sempre na incerteza, sem segurança para fazer o negócio” in Curso de Direito Tributário, Ed. Malheiros, p. 105. Portanto, a certidão de quitação é de suma importância para impedir que se configure a responsabilidade do adquirente do bem.
 

Assim, a cobrança efetuada pelo credor, em hipótese nenhuma caracteriza ato vexatório, pois está ele agindo em pleno exercício regular de um direito, posto que o efeito da ação é mais benéfico ao consumidor do que o próprio exercício do direito. Incabível, portanto, Mandado de Segurança preventivo ou impeditivo do corte de água.

O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 42, diz que:
na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça”. Portanto, protege o consumidor contra eventuais abusos na cobrança. Todavia, a proteção não deve ser tamanha que impeça o credor de efetuar a cobrança regular. A interpretação não deve levar ao exagero de o devedor confessar a dívida, não pagar e ainda adquirir o direito de ameaçar o credor através das vias judiciais.
 

O referido diploma legal proíbe a exposição do devedor ao ridículo, o credor deve efetuar a cobrança sem que o devedor seja submetido a constrangimentos ou ameaças de maneira injustificada. Porém, adquirindo um imóvel, o novo proprietário assume-o nas condições em que se encontrava, inclusive responde pelos eventuais débitos vinculados ao imóvel, uma vez que antes de efetuar a transação tem o adquirente o dever de elaborar uma pesquisa cuidadosa acerca do bem e de eventuais dívidas dele advindas.
 

Vale lembrar que constrangimento ilegal é tudo aquilo que é usado pelo credor que não tenha como finalidade precípua fazer com que o consumidor pague a sua dívida. Constrangimento proibido é o injustificado e abusivo. Existindo o débito, a supressão do fornecimento se mostra conveniente como forma de garantir a continuidade do serviço em benefício da coletividade.

 

Valdirene Laginski

Advogada do escritório Pacheco Neto Sanden e Teisseire Advogados, com atuação nas áreas cível e trabalhista.

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